O texto que está sendo postado e será debatido esta
semana foi elaborado pelo nosso companheiro Bruno Pereira e contou com
contribuições minhas e do Alisson Bruno.
Para
introduzir o assunto, pergunto: você conhece a origem de uma pérola?
Quando
pensamos em uma pérola, logo vem à cabeça a imagem de uma joia, já trabalhada,
com sua incontestável beleza e valor. Entretanto, uma verdadeira pérola, que é um
material orgânico duro e geralmente esférico produzido por alguns moluscos, as
ostras, tem origem na reação a corpos estranhos que invadem o seu organismo,
como vermes ou grãos de areia. Depois de processada e trabalhada em joalharia,
a pérola passa a ser valorizada como gema e é utilizada como adorno nas mais
valiosas joias. A pérola é a única gema de origem animal.
Nesta postagem, vamos debater um produto que carrega um forte estigma e tem na
sua origem a marca de ser um medicamento maléfico. Mas, temos acreditado cada
vez mais que deste produto se pode extrair algo com um potencial fantástico,
bastante valioso para a saúde das pessoas... Estamos falando da Talidomida.
Histórico
Sintetizada
pela primeira vez em 1953 por uma companhia alemã, a Talidomida possui uma
história marcada por acontecimentos importantes inclusive para a indústria
farmacêutica. Após sua introdução no mercado, em 1956, como um fármaco sedativo
e antiemético, acreditava-se
que medicamento era tão seguro que era propício para prescrever a mulheres
grávidas para alívio de enjôos. Sendo assim, a Talidomida rapidamente se tornou
um sedativo popular e de venda livre, comercializado em 46 países de todo o
mundo, inclusive no Brasil.
No entanto,
no início da década de 60, ela foi retirada do mercado após evidências que
apontavam para a associação entre sua utilização por gestantes nos primeiros
três meses e defeitos nos membros de recém-nascidos. Estima-se que mais de
10.000 bebês teriam nascido com malformações associadas à Talidomida. Essas
deformidades ficaram conhecidas como: focomelia, por relacioná-la com a forma
externa das focas; amelia, ausência completa de braços e/ou pernas. Considerou-se
grave, também, o achado de neuropatia periférica associada ao seu uso. É
interessante notar que, nesse primeiro momento, os EUA não autorizaram o
medicamento em seu território, pois os técnicos daquele país consideraram
necessários maiores testes para o medicamento, o que evitou o nascimento de
muitos bebês com malformações.
Apesar do
trágico episódio que levou à sua retirada em 1961 (no Brasil a retirada do
mercado só ocorreria na segunda metade de 1962) e marcou a Talidomida com um
estigma até os dias de hoje, cerca de três anos após a retirada do mercado
internacional, observou-se seu efeito benéfico em eritema nodoso de pacientes
com hanseníase.
Desde então,
vários estudos foram realizados e, em 1998, foi então autorizada pela agência
reguladora americana (FDA) para ser utilizada como tratamento do eritema nodoso
hansêmico, mas na condição de estar inserida em um rígido programa avaliação e
mitigação do risco, que limita o acesso e previne a gravidez de pacientes em
uso do medicamento.
Nos anos
2000, sendo relatadas as suas propriedades de inibição da formação de novos
vasos (antiangiogênicas), anti-inflamatórias e imunomoduladoras, a Talidomida
voltou intensamente à literatura científica, de forma que esse fármaco tem hoje
grande interesse da comunidade médica e científica internacional para o
tratamento de diversas condições patológicas, entre elas o câncer. Em 2006, Talidomida
foi aprovada pelo FDA para o tratamento de pacientes com mieloma múltiplo.
Indicações
atuais
No Brasil,
a Talidomida faz parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME),
sendo fornecida pelo Ministério da Saúde no componente Estratégico da
Assistência Farmacêutica, especialmente no tratamento da reação hansênica do
tipo eritema nodoso ou tipo II, lúpus eritematoso sistêmico, lúpus eritematosos
discoide, lúpus eritematoso cutâneo subagudo, doença enxerto contra hospedeiro,
mieloma múltiplo e úlceras aftóides idiopáticas em pacientes portadores de
HIV/AIDS.
O medicamento é fabricado no Brasil unicamente pela Fundação
Ezequiel Dias (Funed), na forma de comprimidos com 100 mg de Talidomida.
Vale
ressaltar ainda que existe uma resolução específica que dispõe sobre o controle
da substância Talidomida e do medicamento que a contenha, a Resolução Nº 11, de
22 de março de 2011.
Outras
propostas de usos
As
propriedades terapêuticas da Talidomida despertam interesse em sua utilização
para uma série de doenças onde sua produção está associada, como sarcoma de Kaposi
em pacientes com Aids, doenças reumatológicas, doença de Crohn, malária
cerebral, esclerose múltipla, psoríase, sepses, tuberculose e alguns cânceres.
Uma busca
por Talidomida no ClinicalTrials retornou 813 estudos, principalmente em
diferentes tipos de câncer em associação com dexametasona ou com
quimioterápicos citotóxicos. Foram encontrados 735 estudos quando pesquisado os
termos talidomida AND câncer.
Oportunidades
As doenças
em que a Talidomida vem sendo aplicada são graves e com opções terapêuticas
limitadas, o que justifica o emprego desse um medicamento, mesmo diante do
risco potencial. Sugere-se que com as pesquisas e estudos clínicos que vem
sendo realizados o número de indicações para Talidomida tende a aumentar. Um
caminho a ser vislumbrado é a realização de parcerias para a realização de
pesquisas e estudos clínicos no Brasil que pudessem demonstrar a eficácia do
medicamento disponível em nosso país para novas indicações sendo aplicado a
pacientes brasileiros. Nota-se que já existem no país diversos grupos de
pesquisa que já realizaram algum tipo de trabalho com esse fármaco.
Por outro
lado, um rígido controle sobre o uso do medicamento inclusive no que se refere
à natalidade é premissa para a autorização do seu uso. Inclui ações como teste
de gravidez negativo em mulheres férteis, uso de duas formas eficazes de
contracepção e uso de preservativos, mesmo nos submetidos à vasectomia. Além
disso, deve ser proibida a amamentação e doação de sangue e deve ocorrer
monitoramento para detecção precoce de neuropatia periférica, a fim de
estabelecer criterioso balanço entre o risco e benefício de seu uso.
Nota-se que,
mesmo com todos os controles atuais, ainda ocorrem casos de malformações que são
ditos relacionados ao uso da Talidomida durante a gestação. Deve-se portanto
ocorrer um aprimoramento nas atividades que envolvem a informação da população
envolvida e o controle do acesso ao produto, por meio da reavaliação do risco e
das formas de mitiga-lo.
Por fim, a
Talidomida tem mais de sessenta anos de existência, e cada vez mais são
conhecidas suas propriedades benéficas em várias patologias. O número de
indicações para seu uso eleva-se gradualmente. É substância de muita utilidade
em diversas doenças, porém deve ser utilizada com muita responsabilidade. Todo
medicamento tem suas propriedades positivas e negativas. A desinformação e a
utilização inadequada são os principais problemas da Talidomida. Este é o
exemplo de um medicamento que não pode ser banido e que, por isso mesmo, deve
ser submetido ao mais rigoroso controle de fabricação, distribuição e
utilização. É o que procuramos fazer, por exemplo, em parceria com os demais
atores do Sistema Único de Saúde.
E você? Conhecia esta história?
Sabia de todo este
potencial?
Como enxerga que a Funed pode fortalecer a utilização deste produto
e cumprir seu papel em relação a saúde pública do país?