quarta-feira, 16 de abril de 2014

A escolha de produzir básicos

Nem tão básico assim...

Gostaria de levantar neste post um assunto polêmico. Muitos atribuem o fato de a Funed não ter atualmente nenhum contrato de fornecimento de básicos com a SES/MG (e nem mesmo estar produzindo básicos) a opção estratégica de trabalhar com produtos de maior valor agregado e de fazer os processos de transferência de tecnologia.Não vou entrar no mérito do passado, remoendo culpas, motivações. Não, meu objetivo aqui é olhar para o presente e o futuro. Quero responder com vocês a seguinte pergunta: devemos retomar a produção e o fornecimento de básicos? Aqui, coloco os prós e contras que eu consigo elencar.

Vamos começar dos contras.
Em primeiro lugar, cabe lembrar o eterno dilema da capacidade do estado de competir com o privado. Quando se fala em competição e estratégia, logo lembramos do teórico Michael Porter e das cinco forças.

Para começar, lembremos da segunda força “a rivalidade entre empresas existentes”. Muitos alegam que em função do modelo de administração burocrático, é inviável e até impossível para o Estado competir em forças de igualdade com o privado.

Ademais, quando pensamos na questão dos genéricos e dos similares que surgem para ampliar a competitividade no mercado, lembramos da terceira força “a ameaça de produtos ou serviços substitutos”. Assim, quando o assunto é “commodity” é realmente um grande desafio para uma Fundação, órgão da administração indireta, sujeito à Lei 8.666 e as regras do estatuto do servidor manter um nível de competitividade. Ressalvo aqui que desafio é uma coisa, impossibilidade é outra.

Começo a transição dos prós lembrando de uma realidade. Entre os mecanismos regulatórios do Estado encontra-se a manutenção dos preços, através da utilização do chamado preço CAP – Coeficiente de Adequação de Preços.

Sim, não é a “mão invisível” da teoria econômica de Adam Smith que deve e tem imperado. O Estado possui um papel regulatório e a Funed é Estado!

Coloco aqui algumas situações para reflexão:
- O Programa Farmácia Popular gerou um desequilíbrio no mercado gerando uma situação em que o governo federal passou a pagar por produtos que eram de aquisição descentralizada pelos governos estaduais e municipais até 5 vezes mais do que o custo apurado. E os pregões dos governos estaduais e municipais começaram a ficar desertos.

- Em algumas situações, os produtos privados (genéricos e similares) são de qualidade contestável. E neste caso? Não há um espaço para uma Funed ativa, produtiva, com registros vigentes e atualizados? Não é parte de um Estado forte e regulador?

Colocando um pouco mais de tempero. Considerando que a Funed possui uma equipe concursada que está vocacionada para a produção. E lembrando que este e um custo fixo. O que é melhor, ter este custo sem produção ou considerar a possibilidade de gerar descontos nos custos do processo produtivo para que a Funed atinja uma condição competitiva? E a missão social da Funed?


E quanto custa ter a marca Funed e do governo em todos os municípios? Lembrando que no SUS Estados e Municípios estão cada vez mais onerados no orçamento (e o governo federal escapou ileso a LC 141/2012) não é importante fixar a presença do Estado para os cidadãos? Não ajuda neste sentido ter uma marca Funed fortalecida na casa dos nossos usuários do SUS?



E o que dizer da capacidade do IOM de fiscalizar a qualidade dos medicamentos fornecidos? Não é também um importante papel da Funed?

Creio que a questão aqui é bom senso. Não acho que a Funed deve deter o monopólio de básicos do Estado. E nem acho que a Funed deve produzir só básicos (as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo são muito interessantes e serão assunto de um próximo blog, aliás, quem ainda não participou, contribua na enquete do site da Funed: http://funed.mg.gov.br/). 


Só acho que a escolha de produzir básicos não é tão básica assim. Problemas complexos, exigem soluções complexas (e sistêmicas). 

E você o que acha? Vamos construir juntos este caminho? Conto com sua opinião.

  

17 comentários:

  1. Dilema interessante. Talvez bastante complexo para uma discussão rápida pelo blog. Ao meu ver, a intervenção do governo em qualquer mercado deve ser pontual, para resolver situações limitantes ou abusivas, ou entendidas como de estratégia ou segurança nacional. Desta forma, entendo que o mercado de medicamentos básicos já encontrou sua auto-regulação através da livre concorrência. Neste sentido, a Saúde Pública pode se beneficiar de bons preços e distribuição através do bom uso da lei 8.666.

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    1. Marcello, primeiramente obrigado pela sua participação. A ideia é que o espaço de discussão seja ampliado. O blog é apenas uma das oportunidades de reflexão com nossos colaboradores e com amigos, como você. Sobre seu comentário, percebo que praticas de dumping e cartel ainda são comuns. Seguem dois links, um com uma reportagem e outro com um artigo científico que demonstram isso:
      http://cidadesdobrasil.com.br/cgi-cn/news.cgi?cl=099105100097100101098114&arecod=17&newcod=726

      http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102012000500004

      Assim, no meu entendimento a Funed pode e deve contribuir um pouco mais neste papel regulador do Estado.

      Abraços,

      Chico

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  2. Acho interessante o tema e sugiro que deveria haver uma discussão mais ampla com equipe qualificada e/ou outros interessados para uma decisão segura e eficaz.

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    1. Com certeza. A discussão não se restringe a este espaço. E estamos trazendo atores relevantes para darem a sua contribuição e nos ajudarem na resposta a esta e a outras perguntas. Esta ação do Blog é parte de um contexto mais amplo que é a nossa proposta de gestão aberta e participativa e o nosso planejamento estratégico em elaboração que chamamos de Funed 20.

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  3. De fato o tema é bastante importante e deve ser mais profundamente debatido. 15 ou 20 anos atrás, não tenho dúvida que a opção seria bem fácil, mas agora precisamos considerar novos elementos do mercado, de estado, público x privado dentre outros. Acho que seria prematuro e impreciso qualquer opiniao sobre qual o rumo tomar. Um debate que envolvesse Ministerio da Saude, SES, conselho de secretarios municipais, Alfob seria bastante oportuno

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    1. Sim, José Guilherme. E penso que não apenas estes atores. Nossa ideia é incluir a Universidade, o Conselho Estadual de Saúde (que representa de forma legítima os interesses dos cidadãos), o Ministério Público, a Assembléia, associações representativas como a Ambiotec, parceiros importantes como a Fapemig, a Biominas, dentre outros. Quanto mais opiniões e reflexões tivermos, melhores serão as decisões tomadas.

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  4. O que a sociedade espera da Funed?
    Que seja autossustentável e que busque recursos externos somente para investimentos em seus processos produtivos e/ou para custear pesquisas e produtos inovadores.
    Penso que a produção dos medicamentos básicos é uma questão já bem resolvida pelo setor privado, que tem recursos para produção em larga escala.
    Eu, como usuário do SUS, se quero um comprimido de Paracetamol (que é um remédio barato), não gostaria de vê-lo com o logo da Funed; já para adquirir um fármaco caro, nesse caso sim, gostaria que esse estivesse acessível nos postos públicos.

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    1. Mikaele, obrigado por participar. Acho que minhas considerações pelo seu comentário caminham em dois aspectos: 1) Realmente os usuários do SUS esperam receber apenas os medicamentos mais caros do governo? O Conselho Estadual de Saúde, que é um órgão representativo dos interesses dos cidadãos não pensa assim. Os gastos governamentais com os chamados medicamentos básicos são bastante consideráveis. Os municípios procuram a Funed diariamente com demandas de aquisição de medicamentos básicos, provavelmente pressionados pelos cidadãos do SUS que não aceitam falta de medicamentos no estoque dos postos de saúde. Aliás, conheço situações em que mesmo usuários de planos privados recorrem ao SUS até para obter medicamentos básicos (sobre isso basta lembrar a polêmica gerada quando o Decreto 7508/2011 no seu artigo 28 tentou restringir o acesso aos medicamentos apenas para pacientes que tinha receita do SUS). 2) Realmente a produção de medicamentos básicos é uma questão bem resolvida pelo setor privado? Cito neste aspecto a entrevista do novo chefe da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, publicada na Isto É Dinheiro, Edição 335, de fevereiro de 2014 (http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/6649_VAMOS+DESMONTAR+OS+CARTEIS) que comentou uma situação recente referente a uma denúncia de que 20 laboratórios farmacêuticos que estariam boicotando a venda de genéricos no Brasil. Temos sido procurados pela SES/MG em função de situação semelhante.

      Todavia, apesar dos meus comentários, quero concordar com você no seguinte aspecto: os produtos farmacêuticos mais caros (estratégicos e de alto custo) são um nicho ainda mais relevante pois são uma fragilidade maior no sentido de tornar o país dependente de tecnologias e produtos que nem mesmo os privados na indústria nacional tem domínio.

      Abraços,

      Chico

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    2. Desculpe Mikaele, mas, no meu entendimento a participação da FUNED deve ser abrangente, tanto na produção de medicamentos mais "caros" e principalmente na produção de medicamentos básicos, esses sim de maior abrangência à nossa população carente.
      Deodoro

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  5. De fato, essa “doença” cartéis, deve ser tratada com todo o rigor da lei. Mas pensando numa economia capitalista, competitiva, qual é o alcance dos braços da Funed? Há como competir com os grandes laboratórios, no critério “preço”?
    Concordo que em situações pontuais, como forma de regular o mercado, a atuação do laboratório oficial é preponderante, e deve ser inclusive um dos anseios da CIT, que tem entre suas funções, a pactuação de estratégias operacionais.
    Contudo, é relevante frisar que o orçamento empresarial é fruto de uma ciência completamente distante da realidade pública.
    Abraços,
    Celio

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  6. Célio,

    Fiquei devendo a resposta para o seu comentário.

    Sua colocação é muito pertinente. Apenas ressalvo que segundo Michael Porter, teórico conceituado que tem muitas contribuições na área de estratégia e competitividade, existem além do custo, outros fatores geradores de vantagem competitiva que são: enfoque e diferenciação.

    Para ilustrar, cito o atual momento onde em função da mudança para o operador logístico, tem ocorrido situações de desabastecimento dos municípios. Asseguro que se estivéssemos agora com nossa capacidade produtiva normalizada, certamente ocuparíamos um bom espaço no mercado mineiro.

    Enfim...apenas para reflexão.

    Abs.

    Chico

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  7. Franciso, primeiramente gostaria de parabenizá-lo por esse canal que evidencia a adoção de uma política pautada na transparência e na democracia. É claro que, como realçaram alguns colegas aqui no blog , é fundamental uma discussão com uma equipe mais técnica a respeito de assuntos estratégicos mas isso não prescinde da participação dos próprios colaboradores da instituição.

    Sou funcionária da DI e me indigna muito quando ouço comentários do tipo: “A fábrica já foi boa quando produzia sem parar, hoje já não produz como antes...”.Pensemos então: e o mercado em que atuamos está como antes? e como realçou o Francisco,será que a Funed está imune às 5 forças de Portes e “blindada” pelo fato de ser uma fundação Pública?

    Não gente!!!Vamos parar com essa visão distorcida que permeia pelos corredores da Funed que “fábrica boa é fábrica produzindo sem parar parecetamol, captopril...e outros remédios baratos..” e de que “o governo é obrigado a consumir apenas da funed..”

    Somos uma fundação sim, mas em tempos de Govenança Corporativa, de Eficácia e principalmente de Efetividade. Temos que ser competitivos, empreendedores, buscar nossa vantagem competitiva e trabalhar em cima dela!!A Funed tem muito potencial produtivo( temos hoje excelente maquinário) e também capital humano pois na fábrica temos um conhecimento valioso de pessoas concursadas que querem e podem contribuir muito para o crescimento das unidades fabris.

    Proponho a todos que busquem enxergar além do portões da Funed...temos clientes externos que dependem de nós para pesquisa e produção de medicamentos de alta complexidade, como Tenofovir, Lamivudina, Talidomida entre outros....e, será que, entregando para eles apenas medicamentos como paracetamol, captopril, neomicina(que podem ser adquiridos a um preço ínfimo nas farmácias populares)...resolveria o problema???

    Não estou pregando aqui que paremos de produzir o básico,por favor, não quero ser sacrificada em praça pública!! Estou só alertando para muitos que os tempos mudaram e que a Funed não pode parar no tempo e que temos potencial para ser bem mais do que somos hoje.

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    1. Andressa,

      Que comentário bacana!

      Vou refletir sobre dois pontos que você coloca aqui.

      O primeiro deles é: "o mercado em que atuamos está como antes?"

      Acho muito pertinente sua colocação e gostaria de lembrar que:

      1) Vivemos um processo de transição demográfica e epidemiológica, ou seja, as necessidades dos nossos clientes (cidadãos) não é a mesma de alguns anos atrás;

      2) o surgimento dos produtos biológicos representa (ou) novas possibilidades de abordagem para tratamento de questões que outrora não tinham solução ou não encontravam amparo nos fármacos sintéticos.

      3) surgimento de genéricos e similares.

      Só este três pontos (poderíamos numerar vários outros) já demonstram que realmente o mercado não é mais o mesmo.

      O segundo ponto que eu gostaria de destacar é "temos potencial para ser bem mais do que somos hoje".

      Fico feliz em ver as pessoas nesta instituição motivadas e confiantes. É disso que precisamos!

      Em vários aspectos Minas é modelo para o país em saúde pública. E até modelo para a saúde privada, se não, vejamos...

      Quando a SES/MG optou por adotar um protocolo para classificação de risco (protocolo de manchester) gerou um modelo para o público, mas também para diversos do segmento privado, inclusive planos de saúde bastante conhecidos...

      Somos e podemos cada vez mais ser modelo em muitas coisas!

      Parabéns e obrigado por participar!

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  8. Doutor Francisco,primeiramente parabéns pela sua transparência e por tentar a cada dia aplicar as técnicas de administração geral e pública.Sou Também da DI (local onde possuem servidores capacitados e dedicados) e presencio a produção de medicamentos( feitos pela fundação dentro das unidades fabris ou por transferência de tecnologia) e dentro desde contexto sou a favor do comentário da colega Andressa. Sobre o tema, tenho como opinião convicta que a fundação está no caminho certo,não basta nos dias de hoje ( dentro do ambiente externo altamente competitivo em todos os ramos) produzir somente o básico! Hoje a qualidade e a inovação são pontos importantes para o crescimento de uma organização,seja ela pública ou privada.Acho que além das cinco forças de Porter mencionadas por você,não devemos esquecer de um bom planejamento,foco e a busca da diversificação de produtos.Como você mesmo mencionou, para sustentar o alto custo da Funed é necessário produtos de alto valor agregado! Sempre fui a favor disso e acredito que a instituição colherá bons frutos! Penso que produtos como: paracetamol,captopril etc...devem sim fazer parte do leque de produtos da nossa instituição! Mas como meta básica de governo! Temos que continuar focando em produtos inovadores, ampliar nossa visão.
    Francisco tenho uma pergunta para o senhor: A Funed dentro do cenário da Adm.Pública pertence a Adm.Indireta, fundação pública de direito público,mas devido a essas metas e sua autonomia, ela poderá ou é classificada como uma agência executiva??Por possuir contrato de gestão e metas de desempenho.
    Obrigado.
    Abraços,Felipe.

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  9. Felipe,

    Só me poupa do Doutro, né? rsrsrs

    Vamos lá...o primeiro ponto é: parece que a maioria das pessoas (reforçando o comentário da Andressa) entendem que temos um duplo papel: a inovação e ousadia dos produtos de alto valor agregado e que geram benefícios imensos a população, sem perder de vista a capacidade de produção e um papel de retaguarda para o SUS com os medicamentos básicos (commodities)...

    Respondendo sua pergunta sobre modelo de gestão: não, infelizmente (o adjetivo é uma opinião minha) a Funed não se enquadra no modelo ou conceito de agência.

    Tem até um texto legal que fala sobre isso...compartilho com você e os demais participantes do Blog o link:

    http://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S1413-81232007000700006&script=sci_arttext

    Todavia, penso que a discussão sobre modelos de gestão é muito relevante se considerarmos a necessidade de flexibilidade institucional e de agilidade, sobretudo na DI. Acho que isso merece um blog específico...parabéns por levantar o tema...

    Abs.

    Chico

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  10. Um ponto que julgo importante nesta questão de produção de produção de medicamentos básicos é a capacidade de manter as instalações produtivas em funcionamento. Não produzir utilizando a justificativa de que o mercado já atende (será que atende mesmo? O mercado de medicamentos não é um mercado de concorrência perfeita!) pode "atrofiar" a estrutura produtiva, correndo o risco de estagnação. Acredito que uma boa estratégia é a retomada da produção de medicamentos básicos para colocarmos a estrutura para funcionar e incorporar a produção de medicamentos inovadores e de alto valor agregado.

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    1. A conclusão que parece ser quase comum aos diversos comentários: há um ponto de equilíbrio a ser buscado: entre produzir tudo e não produzir nada, existe um caminho de oportunidades que envolve uma Funed motivada e com a capacidade produtiva estimulada...

      Nesta semana ampliaremos um pouco a discussão ao interagir com os municípios (principais clientes nesta discussão) no Congresso da Associação Mineira de Municípios.

      Abs.

      Chico

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