segunda-feira, 5 de maio de 2014

Pérola... nós temos uma. Você conhece?

O texto que está sendo postado e será debatido esta semana foi elaborado pelo nosso companheiro Bruno Pereira e contou com contribuições minhas e do Alisson Bruno.

Para introduzir o assunto, pergunto: você conhece a origem de uma pérola?

Quando pensamos em uma pérola, logo vem à cabeça a imagem de uma joia, já trabalhada, com sua incontestável beleza e valor. Entretanto, uma verdadeira pérola, que é um material orgânico duro e geralmente esférico produzido por alguns moluscos, as ostras, tem origem na reação a corpos estranhos que invadem o seu organismo, como vermes ou grãos de areia. Depois de processada e trabalhada em joalharia, a pérola passa a ser valorizada como gema e é utilizada como adorno nas mais valiosas joias. A pérola é a única gema de origem animal.


Nesta postagem, vamos debater um produto que carrega um forte estigma e tem na sua origem a marca de ser um medicamento maléfico. Mas, temos acreditado cada vez mais que deste produto se pode extrair algo com um potencial fantástico, bastante valioso para a saúde das pessoas... Estamos falando da Talidomida.


Histórico

Sintetizada pela primeira vez em 1953 por uma companhia alemã, a Talidomida possui uma história marcada por acontecimentos importantes inclusive para a indústria farmacêutica. Após sua introdução no mercado, em 1956, como um fármaco sedativo e antiemético, acreditava-se que medicamento era tão seguro que era propício para prescrever a mulheres grávidas para alívio de enjôos. Sendo assim, a Talidomida rapidamente se tornou um sedativo popular e de venda livre, comercializado em 46 países de todo o mundo, inclusive no Brasil.

No entanto, no início da década de 60, ela foi retirada do mercado após evidências que apontavam para a associação entre sua utilização por gestantes nos primeiros três meses e defeitos nos membros de recém-nascidos. Estima-se que mais de 10.000 bebês teriam nascido com malformações associadas à Talidomida. Essas deformidades ficaram conhecidas como: focomelia, por relacioná-la com a forma externa das focas; amelia, ausência completa de braços e/ou pernas. Considerou-se grave, também, o achado de neuropatia periférica associada ao seu uso. É interessante notar que, nesse primeiro momento, os EUA não autorizaram o medicamento em seu território, pois os técnicos daquele país consideraram necessários maiores testes para o medicamento, o que evitou o nascimento de muitos bebês com malformações.

Apesar do trágico episódio que levou à sua retirada em 1961 (no Brasil a retirada do mercado só ocorreria na segunda metade de 1962) e marcou a Talidomida com um estigma até os dias de hoje, cerca de três anos após a retirada do mercado internacional, observou-se seu efeito benéfico em eritema nodoso de pacientes com hanseníase.

Desde então, vários estudos foram realizados e, em 1998, foi então autorizada pela agência reguladora americana (FDA) para ser utilizada como tratamento do eritema nodoso hansêmico, mas na condição de estar inserida em um rígido programa avaliação e mitigação do risco, que limita o acesso e previne a gravidez de pacientes em uso do medicamento.

Nos anos 2000, sendo relatadas as suas propriedades de inibição da formação de novos vasos (antiangiogênicas), anti-inflamatórias e imunomoduladoras, a Talidomida voltou intensamente à literatura científica, de forma que esse fármaco tem hoje grande interesse da comunidade médica e científica internacional para o tratamento de diversas condições patológicas, entre elas o câncer. Em 2006, Talidomida foi aprovada pelo FDA para o tratamento de pacientes com mieloma múltiplo.

Indicações atuais

No Brasil, a Talidomida faz parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), sendo fornecida pelo Ministério da Saúde no componente Estratégico da Assistência Farmacêutica, especialmente no tratamento da reação hansênica do tipo eritema nodoso ou tipo II, lúpus eritematoso sistêmico, lúpus eritematosos discoide, lúpus eritematoso cutâneo subagudo, doença enxerto contra hospedeiro, mieloma múltiplo e úlceras aftóides idiopáticas em pacientes portadores de HIV/AIDS. 

O medicamento é fabricado no Brasil unicamente pela Fundação Ezequiel Dias (Funed), na forma de comprimidos com 100 mg de Talidomida.


Vale ressaltar ainda que existe uma resolução específica que dispõe sobre o controle da substância Talidomida e do medicamento que a contenha, a Resolução Nº 11, de 22 de março de 2011.

Outras propostas de usos

As propriedades terapêuticas da Talidomida despertam interesse em sua utilização para uma série de doenças onde sua produção está associada, como sarcoma de Kaposi em pacientes com Aids, doenças reumatológicas, doença de Crohn, malária cerebral, esclerose múltipla, psoríase, sepses, tuberculose e alguns cânceres.

Uma busca por Talidomida no ClinicalTrials retornou 813 estudos, principalmente em diferentes tipos de câncer em associação com dexametasona ou com quimioterápicos citotóxicos. Foram encontrados 735 estudos quando pesquisado os termos talidomida AND câncer.

Oportunidades

As doenças em que a Talidomida vem sendo aplicada são graves e com opções terapêuticas limitadas, o que justifica o emprego desse um medicamento, mesmo diante do risco potencial. Sugere-se que com as pesquisas e estudos clínicos que vem sendo realizados o número de indicações para Talidomida tende a aumentar. Um caminho a ser vislumbrado é a realização de parcerias para a realização de pesquisas e estudos clínicos no Brasil que pudessem demonstrar a eficácia do medicamento disponível em nosso país para novas indicações sendo aplicado a pacientes brasileiros. Nota-se que já existem no país diversos grupos de pesquisa que já realizaram algum tipo de trabalho com esse fármaco.

Por outro lado, um rígido controle sobre o uso do medicamento inclusive no que se refere à natalidade é premissa para a autorização do seu uso. Inclui ações como teste de gravidez negativo em mulheres férteis, uso de duas formas eficazes de contracepção e uso de preservativos, mesmo nos submetidos à vasectomia. Além disso, deve ser proibida a amamentação e doação de sangue e deve ocorrer monitoramento para detecção precoce de neuropatia periférica, a fim de estabelecer criterioso balanço entre o risco e benefício de seu uso.

Nota-se que, mesmo com todos os controles atuais, ainda ocorrem casos de malformações que são ditos relacionados ao uso da Talidomida durante a gestação. Deve-se portanto ocorrer um aprimoramento nas atividades que envolvem a informação da população envolvida e o controle do acesso ao produto, por meio da reavaliação do risco e das formas de mitiga-lo.

Por fim, a Talidomida tem mais de sessenta anos de existência, e cada vez mais são conhecidas suas propriedades benéficas em várias patologias. O número de indicações para seu uso eleva-se gradualmente. É substância de muita utilidade em diversas doenças, porém deve ser utilizada com muita responsabilidade. Todo medicamento tem suas propriedades positivas e negativas. A desinformação e a utilização inadequada são os principais problemas da Talidomida. Este é o exemplo de um medicamento que não pode ser banido e que, por isso mesmo, deve ser submetido ao mais rigoroso controle de fabricação, distribuição e utilização. É o que procuramos fazer, por exemplo, em parceria com os demais atores do Sistema Único de Saúde.

E você? Conhecia esta história? 
Sabia de todo este potencial? 
Como enxerga que a Funed pode fortalecer a utilização deste produto e cumprir seu papel em relação a saúde pública do país?

7 comentários:

  1. Perdão, mas não encontrei outro espaço para fazer este questionamento. Por que a Funed está abrindo processos seletivos para contratação de servidores temporários sendo que há um concurso em andamento?

    Att.

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    1. Prezado,

      Peço a gentileza de encaminhar sua dúvida com seu email para que possamos responder para o faleconosco@funed.mg.gov.br ou para o meu email: francisco.junior@funed.mg.gov.br, uma vez que pretendo usar este canal sempre para a discussão específica do Blog.

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  2. Francisco adorei o post dessa semana.
    Achei muito propicia a comparação da Talidomida a uma pérola. Acredito que a Talidomida é um dos grandes “trunfos” da Funed, não só pela exclusividade na produção deste medicamento, mas também pela o uso no tratamento de diversas doenças.
    Por trás da Talidomida há um grande medo! Apesar da tragédia mundial, que muitos conhecem a história, a Talidomida é uma grande aliada no tratamento de inúmeras doenças. O medo e a insegurança que a população tem em relação à Talidomida é devido ao desconhecimento das causas que levaram a má deformação das crianças. Além disso, o desconhecimento dos benefícios do uso dessa droga nos diversos tratamentos que esta está sendo empregada dificulta a aceitação deste medicamento pela população.
    Os casos de teratogenicidade em recém-nascidos devido ao uso de Talidomida ocorrem, principalmente, pela automedicação e pelo uso inadequado do medicamento Talidomida. Infelizmente, muitas utilizam este medicamento quando a gravidez é indesejada, pois acreditam que este medicamento causa aborto (e pensam que, consequentemente, as más deformações na criação são “punições" devido a tentativo do aborto). Outras se automedicam, escolhendo aleatoriamente na caixinha de remédios de familiares e conhecidas.
    Para alterarmos este cenário, é necessário conscientização dos benefícios desta droga, para que a população não critique e julgue o uso desta em algumas terapêuticas. Além disso, para evitar que surjam novos casos de “filhos da Talidomida” é necessário uma campanha educativa para evitar automedicação e o uso indiscriminado de medicamentos.
    Como você disse, “cada vez mais são conhecidas as propriedades benéficas da Talidomida em várias patologias”. Surgem também novos estudos sobre as propriedades farmacológicas desta droga, e a adequação desta em outras formas farmacêuticas. A Funed precisa investir mais nestes estudos para que consigamos propiciar tratamentos mais adequados para diversas doenças. Mas também precisamos continuar trabalhando com a forma farmacêutica mais comum, o comprimido.
    Uma das formas de também participarmos da construção do Sistema Único de Saúde, para PROTEGER e PROMOVER a saúde é informando a população sobre os benefícios deste medicamento, tão temido, em diversos tratamentos, e também alertando sobre os riscos e os cuidados necessários durante o uso deste medicamento.
    Com informação, tecnologia e com a produção propriamente dita do medicamento é que conseguiremos agregar valor à nossa Pérola.
    Eh... eh isso! rs... Empolguei com o assunto!!!
    Parabéns pelo blog!
    Abs, Mariana Jankunas

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    1. Mariana,

      Que bom que empolgou com o assunto!

      Confesso que eu também, a cada dia mais, me sinto interessado por este assunto.

      E acho que ele levanta ou suscita uma outra discussão que é a da nossa capacidade como gestores públicos de um sistema de saúde de dialogar com a sociedade.

      Existem muitos assuntos que precisam ser desmistificados.

      Cito, por exemplo, a avaliação das pessoas sobre o SUS. Muitos avaliam o SUS sem nem ao menos saber sua abragência ou reconhecer que de um jeito ou de outro são beneficiários deste sistema.

      Enfim, temos que trabalhar cada vez mais nossas estratégicas de comunicação - esta é uma grande ferramenta que temos.

      Abraços,

      Chico

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  3. Bom, lembro que em uma das aulas de BPM, com o Professor Ricardo Abdala da Fundação Dom Cabral, houve uma abordagem sobre quais eram os diferenciais da Funed em relação aos outros laboratórios oficiais. E o destaque da nossa instituição, naquela época, era sem dúvidas a exclusividade na produção de Talidomida.
    Portanto, vejo com orgulho, a FUNED ser a única produtora oficial no Brasil. É a comprovação de que o laboratório atende aos requisitos, normas e padrões exigidos pelo Ministério da Saúde.
    Penso que uma forma de fortalecer essa discussão e até mesmo promover as funcionalidades do produto, é criar fóruns de discussão, seminários, palestras, enfim, eventos com a participação de cientistas e formandos, parceiros, produtores estrangeiros, pessoas e organizações que possam de alguma forma contribuir com o incremento do medicamento na saúde pública.

    Abraços,

    Celio

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  4. Célio,

    Primeiramente, parabéns pela frequência na participação no blog.

    Temos sim que criar fóruns de discussão e ampliar este assunto... E vejo que é nossa obrigação levantar esta bandeira, exatamente pela nossa exclusividade.

    Abs.

    Chico

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  5. Fiquei fascinada pelo post! Estou há várias semanas às voltas para uma solução para a minha mãe que foi acometida por um Pioderma Gangrenoso. Depois de uma longa jornada (tudo teve início no final de fevereiro/2014), quando foi diagnosticada e tratada como uma vasculite leucocitoclástica, chegou a ser internada em São Paulo, mas as feridas voltaram a necrosar depois do debridamento cirúrgico. Por fim, em 17/04/2014 encontramos um dermatologista que nos deu o correto diagnóstico de Pioderma. Desde então ela vem se tratando com Dapsona, Prednisona e Vibramicina que provocam uma série de efeitos colaterais, dentre eles a anemia profunda. Semanalmente ela realiza exames de sangue que constatam que a anemia avançou de tal forma que na consulta da semana passada, o médico foi obrigado a reduzir a dose de Dapsona pela metade. Segundo ele, desde o início de sua carreira, vem tratando o Pioderma Gangrenoso com a Talidomida, obtendo 100% de êxito e SEM OS EFEITOS INDESEJÁVEIS. No dia 29/04 dei entrada junto à Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, que até o momento não me deu sequer a resposta NEGATIVA que preciso para dar entrada no processo de obtenção do medicamento junto à Defensoria Pública de Santa Catarina, ou até mesmo com um advogado particular. É uma pena que os entraves burocráticos tornem o medicamento praticamente inacessível a uma senhora de 75 anos, que comprovadamente não está mais em idade fértil (inclusive submetida a uma Histerectomia) e que poderia se beneficiar deste importante medicamento. Com certeza as ações educativas devem existir, pois ainda impera a cultura da auto-medicação, sem contar na imensa ignorância (no verdadeiro sentido de ignorar algo) de grande parte da população brasileira. Por isso achei perfeito que se abra o debate e que se discutam as imensas possibliidades deste medicamento que ainda carrega um estigma.
    Parabéns pela iniciativa!

    Graziella Cristina Jaspers de Oliveira

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